Um pouco da história do Marcas da Memória...
O esquecimento, diz o poder, é o preço da paz, [...]
uma paz fundada na aceitação da injustiça
como normalidade cotidiana.
Acostumaram-nos ao desprezo pela vida e
à proibição de lembrar [...]
por mais que a queimem, por mais que a rasguem,
por mais que a mintam,
a história humana se nega a calar a boca.
O tempo que foi continua pulsando, vivo,
dentro do tempo que é,
ainda que o tempo que é não o queira ou não o saiba”
(GALEANO, 2009)
Contar um pouco da história do Marcas da Memória é contar o caminho de uma pesquisa e da identificação com um tema que me capturou desde 2014.
Neste ano, durante a 29º ANPOLL: Práticas discursivas e movimentos na história, que aconteceu na UFSC, comprei a reedição do livro A fala dos quartéis e as outras vozes (2013) de Freda Indursky. Como já o tinha lido, fui direto no Posfácio As outras vozes e as feridas ainda abertas e lá Freda falava sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em 18/11/2011 e sua importância na construção da memória deste tempo.
A partir daí, muito motivada pelas pesquisas da Profa. Freda, começo a pesquisar o assunto e acompanhar os trabalhos da CNV. Como Santa Catarina também criou a Comissão Estadual da Verdade (CEV) em apoio à Nacional, passei também a me interessar sobre este trabalho em nosso Estado, principalmente porque sabemos tão pouco das marcas e consequências da Ditadura em terras catarinenses. Ao final do prazo, a CEV entrega seu Relatório à CNV e esta publica seu Relatório Final em dezembro de 2014. Tais materiais passaram a se transformar em objeto de minhas pesquisas e, nesta investigação, chego ao nome da ex-presa política Derlei Catarina De Luca por meio de um jornal local, contando que esta içarense tinha sido ouvida pela CNV e liderava os trabalhos da CEV. Entrei em contato com Derlei e, a partir daí, criamos uma parceria cheia de afeto e lutas.
A primeira delas foi uma palestra que organizamos na Unisul, em parceria com a Profa. Carla A. Marinho Borba, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais à época, com nossos alunos da graduação e do stricto sensu, conforme o cartaz a seguir:
Nesta noite, após a fala de nossa palestrante, que contou sobre sua militância na Ação Popular, a prisão, as torturas e a vida na clandestinidade, durante as perguntas dos alunos, chamou-nos a atenção o modo como muitos alunos se surpreenderam em conhecer alguém de tão perto, município vizinho de Içara, que tinha vivido os horrores da Ditadura. Disse um aluno: “a gente achava que em SC isso nem tinha acontecido”.
Esta fala foi extremamente importante para entendermos que era necessário um espaço de debate sobre este assunto na Universidade e que também fosse aberto para o público do seu entorno. Foi assim, portanto, que organizamos, em 2015, o primeiro Marcas da Memória, em parceria com a Comissão da Anistia/Ministério da Justiça, Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça e os demais parceiros conforme cartaz a seguir:
Este Marcas da Memória, que se organizou a partir da discussão de Documentários sobre a Ditadura, teve a honra de contar na palestra de abertura com João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, o Jango, como podemos ver na foto a seguir:
A partir daí, o Marcas da Memória foi se misturando às nossas pesquisas no stricto sensu, a orientações de iniciação científica, de trabalhos de conclusão de curso, de dissertações, de teses... e se consolidando a cada ano, sempre com um subtema que nos ajudava a organizar a temática dentro do tema maior: Ditadura, memória e esquecimento.
Em 2016:
Obs.: Os trabalhos apresentados nesta edição foram publicados em: DALTOÉ, Andréia S. Organizadora do Dossiê “Marcas da Memória: direitos humanos, justiça de transição e anistia”. Revista Memorare do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem – PPGCL da UNISUL, vol. 4, nº 3, 2017. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/memorare_grupep/issue/view/257
Em 2017:
Em 2019:
Em 2021, entendemos que o Marcas da Memória, já reconhecido na região como um evento importante e necessário da Unisul, precisaria se expandir e permitir uma interlocução ainda maior. Foi assim que, confirmando seu compromisso com uma discussão coletiva, plural e engajada, o Marcas ganha forma de congresso, contando com mesas-redondas de conferencistas convidados e abrindo espaço para apresentação de trabalhos de pesquisadores de todo o País.
E ainda, como o tema de cada edição não nasce de uma escolha aleatória, mas da necessidade de discussões suscitadas na graduação, no stricto senso, nos eventos e movimentos sociais dos quais participamos, neste ano, a pauta que se impõe é a dos ataques que a educação vem enfrentando a partir de práticas ditatoriais e antidemocráticas. Assim, sempre atento ao cenário desde sua primeira edição em 2015, o Marcas da Memória de 2021 compromete-se com o tema: O que resta da Ditadura na Educação brasileira?
É, portanto, nesta preocupação que, conforme observamos até aqui, o Marcas da Memória nasce com raízes fortes, porque foi brotando da vontade de saber, que virou pesquisa, que virou lutas, que virou parcerias..., ligando pessoas que se preocupam com o trabalho de uma memória do nosso passado que precisa o tempo todo ser significada no presente.
Outro fator que também nos alegra na feitura deste evento é que ele, desde o início, foi pensado e feito a várias mãos, contando sempre com parcerias como: Ministério da Justiçada; Coletivo Memória, Verdade e Justiça de SC; Projeto Clínicas do Testemunho; Coletivo Pró-Educação; grupos de pesquisa como o Grepem, Grupep e Gipart; sindicatos, PPGCL da UNISUL, Programas como PARFOR, PIBID, PIBIC, Rede de Educação Básica e Cursos de graduação da Unisul.
E falando de orgulho e honra, sempre vamos reforçar que devemos muito deste movimento à inspiração em Derlei Catarina De Luca, Professora de História, nascida em Içara, ex-presa política que viveu todas as formas de tortura na prisão e as dores da vida na clandestinidade.
À querida amiga Profa. Derlei, lutadora incansável pela memória e justiça deste tempo, que nos deixou em novembro 2017, renderemos sempre toda homenagem, procurando fazer jus a seu legado e a suas palavras:
Andréia da Silva Daltoé
“Não posso desesperar [...]. Ódio também é razão
de viver quando não existe mais nada.
Vou sobreviver.
Vou criar meu filho,
vou contar essa história”.
(DE LUCA, 2013)